Restrição urbanística em pauta: evento do IASP reúne especialistas e autoridades para debates

Primeiro encontro da Comissão de Ordem Urbanística debateu planejamento urbano e segurança jurídica nos loteamentos

O Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) promoveu o evento “As restrições convencionais de loteamento, zoneamento e Plano Diretor”.

Realizado na sede do Instituto, o encontro também marcou o primeiro evento oficial da Comissão de Ordem Urbanística e Desapropriação do IASP, presidida por Rubens Carmo Elias Filho, que prestou homenagem ao urbanista Nelson Kojranski, ressaltando a importância de se encontrar soluções legislativas viáveis para o tema.

A abertura dos debates ficou a cargo do presidente do IASP, Diogo Leonardo Machado de Melo, que relembrou os 150 anos da entidade e reforçou o papel do Instituto no resgate e preservação da memória jurídica brasileira.

Na sequência, Mariana Chiessa, presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP, destacou que o debate sobre planejamento urbano passou por diversas fases e, a partir de 2014, iniciou um novo ciclo com maior aplicabilidade prática. “Estamos agora na terceira geração dessas discussões, que, mesmo com avanços, ainda encontram muita resistência para sair do campo teórico”, afirmou.

Plano Diretor e restrições urbanísticas

Abrindo a segunda mesa, Adriana Maluf, professora e advogada, contextualizou a evolução histórica das restrições urbanísticas, apontando que essas normas surgiram da necessidade de garantir a convivência social nos centros urbanos. Ela citou o Decreto 58, conhecido como “Decreto de Loteamento”, como marco na consolidação das transações imobiliárias, e lembrou que, a partir da década de 1930, os temas passaram a integrar a Constituição.

Na sequência, o advogado Carlos Dabus Maluf criticou o atual modelo do Plano Diretor de São Paulo, destacando a ausência de critérios claros para o crescimento urbano. “Desculpe falar: vivemos em uma cidade feia. Paris é bonito porque tem um plano diretor há 150 anos. São Paulo, não. A natureza está devolvendo o que a cidade fez com ela”, declarou.

No terceiro painel, Pedro Bicudo, membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), discutiu a tensão jurisprudencial entre alterações legislativas e a permanência de restrições convencionais. Ele defende que a atualização dessas normas, com base em discussão técnica, é possível e necessária para harmonizar o Plano Diretor com a realidade das cidades, evitando decisões judiciais extremas.

Marcelo Manhães, integrante do Conselho Editorial da Revista IBRADIM, reforçou que as restrições urbanísticas promovem o sentimento de pertencimento e garantem parâmetros mais exigentes de ordenamento. “Sou a favor das restrições, mas também de sua revisão periódica conforme a realidade se transforma”, afirmou.

Controle urbanístico

Abrindo a quarta mesa, o oficial registrador Flaviano Galhardo questionou os limites da atuação dos cartórios de registro de imóveis nesse contexto. Segundo ele, muitos bairros deixaram suas restrições cair em desuso, o que exige a construção de mecanismos extrajudiciais, como audiências públicas com os interessados.

O juiz Luciano Leme, que atua na Equipe de Correição – Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça, defendeu que as restrições convencionais devem constar no registro de imóveis e que o controle urbanístico deve ser exercido com rigor. “A legislação municipal superveniente, mesmo que mais branda, pode prevalecer sobre normas convencionais, desde que respeitado o devido processo legal”, disse ele.

Sob uma perspectiva prática, Tânia Pantano, vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário do IASP, afirmou que o loteador exerce quase uma função pública, já que o loteamento representa um novo pedaço da cidade. Em contraponto, Ana Paula Frontini, tabeliã de notas, observou que em muitos bairros essas regras já não fazem sentido, prejudicando o desenvolvimento urbano.

O advogado Luís Paulo Germanos acrescentou uma reflexão histórica sobre o papel do loteador: “A Companhia City teve papel importante ao estabelecer normas que moldaram partes da cidade. O papel do loteador é o de construtor de cidade”.

Interesses públicos e privados

No último painel, Ricardo Ferrari, presidente do Conpresp, alertou para o risco de distorções na aplicação das restrições: “São Paulo é uma colcha de retalhos. Devemos tratar essas disputas com cautela e sensibilidade, pois muitas associações que alegam defender o bem público, na verdade, estão defendendo interesses privados”.

O promotor Fábio Franchi ressaltou o novo protagonismo do tema dentro do Ministério Público: “Esse nunca foi um assunto palpitante para o MP, mas agora está no centro das discussões. O poder público não pode ficar refém de decisões tomadas décadas atrás”.

Já a advogada e professora Ana Rita de Figueiredo pontuou que muitos casos envolvem loteamentos fechados e que até disputas entre vizinhos precisam ser observadas, pois revelam conflitos entre interesses públicos e privados.

Encerrando as exposições, a advogada Liliana Gomes trouxe um caso emblemático de São Paulo, em que uma mudança no zoneamento municipal gerou um impasse judicial que já dura mais de duas décadas. O processo, ainda em tramitação no STJ, escancara as tensões entre regras convencionais e legislação urbanística superveniente.