“Não faz sentido outro ramo do Judiciário analisar conflitos da relação de trabalho”

Presidente do TRT-2, Valdir Florindo defende a competência da Justiça do Trabalho em reunião-almoço do IASP

A defesa da Justiça do Trabalho e dos direitos trabalhistas frente à suspensão nacional pelo STF dos processos que discutem a chamada “pejotização” foi o mote central da palestra do presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), Valdir Florindo, durante a reunião-almoço realizada pelo IASP, na última segunda-feira (2/5) no Hotel Intercontinental, em São Paulo. O evento foi aberto pelo presidente do Instituto, Diogo Leonardo Machado de Melo, que saudou os presentes, o desembargador, e frisou o “espírito de diálogo e cooperação” que tem o magistrado, “constantemente, cultivado entre a magistratura e a advocacia”.

Sob o tema “Em defesa da competência da Justiça do Trabalho” o desembargador discutiu em profundidade o conceito de verdade e a competência da Justiça do Trabalho, ao abordar as decisões que restringem a competência da Justiça do Trabalho, especialmente em casos envolvendo a contratação de profissionais como Pessoa Jurídica (PJ) e terceirização. Tratou ainda da competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de possível fraude no contrato de prestação de serviços e da licitude da contratação de pessoas jurídicas ou trabalhadores autônomos,

Florindo reafirmou a defesa da Justiça do Trabalho, especialmente diante da determinação feita pelo ministro do STF, Gilmar Mendes, nos processos que discutem “pejotização” no país. “Hoje, questiona-se se os conflitos das relações de trabalho devem ser julgados pela justiça especializada; se o trabalhador é trabalhador ou pessoa jurídica, criada como artifício para encobrir o trabalho prestado por pessoas físicas”, afirmou.

Relativização da verdade

Ao apontar os questionamentos sobre a gênese do trabalhador e a contextualidade, a subordinação e a onerosidade, como pressupostos das relações de emprego, o presidente do TRT-2 ponderou até que ponto é possível negar a realidade.

Na esteira da filosofia do processualista italiano Michele Taruffo, o palestrante criticou as concepções que relativizam a verdade, como a ideia de verdade negociada, segundo a qual esta seria determinada pelo acordo entre as partes, pelas provas produzidas ou pelas regras sobre o ônus da prova. De acordo com o desembargador, existe uma verdade externa, e é possível conhecê-la por meio de métodos objetivos, de um processo judicial orientado pela busca da justiça substancial.

“A expressão contrato ou realidade dá conta de que contrato de trabalho somente se completa com o fato real. É o trabalho prestado, e não o acordo de vontades, que faz com que o trabalhador se encontre amparado pelo Direito do Trabalho”, afirma.

Embora coloque acima de dúvidas a legitimidade das relações entre pessoas jurídicas como forma de apontar a diferença entre trabalho e atividade empresarial, Florindo ressalta que, quando se lança mão do termo “pejotização”, trata-se da relação entre pessoas jurídicas legitimas, entre empresários que exercem atividade econômica organizada para a produção ou circulação de serviços.

“O parágrafo único do artigo 966 [do Código Civil] vai além. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual (científica, literária ou artística). Essa profissão pode ser exercida com auxiliares ou colaboradores, mas a atividade não se enquadra como empresa, a menos que o exercício da profissão seja um elemento constitutivo da empresa”.

Atendo-se à realidade atual, o desembargador afirma que a negação em enxergar empregados por trás de pessoas “pejotizadas” nega não apenas a realidade, mas também se corre o risco de dar a eles, metaforicamente, o mesmo destino de um molusco jogado ao solo e espezinhado.

Relação mascarada

Para o presidente do TRT-2, a pessoa jurídica que mascara uma relação de emprego pode iludir quem a vê de fora, confundir contratos e esconder a realidade sob a aparência de legalidade, porém, “o trabalhador pode confrontar o contratante”. “O Direito não pode compactuar com esse tipo de simulação. A própria lei estabelece que são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na legislação trabalhista”, ressalta.  

Florindo também destacou o fato de que o artigo 167 do Código Civil prevê a anulação de negócios jurídicos simulados e estabelece que o negócio jurídico simulado é nulo, mas que o negócio dissimulado, se válido na substância e na forma, subsiste. Ainda segundo o Código Civil, a simulação ocorre quando as partes, mediante acordo prévio, declaram um negócio jurídico diferente do que realmente querem, com o objetivo de enganar terceiros.

Após abordar as reflexões referentes ao conceito de verdade, o desembargador levantou o questionamento de se a sociedade atual tolera as simulações de abusos; ou se o Direito tolera artifícios. “Quero crer que não. Acredito que os pilares devem ser preservados. Nossa Constituição, preocupada com o homem, estabelece os princípios fundamentais logo em seu início. E isso condiciona toda a interpretação dos dispositivos posteriores — os direitos e garantias dos cidadãos e os direitos sociais. Inclusive os dos trabalhadores”, afirma Florindo.

O palestrante, entretanto, afirma ainda que, se alguma lei estiver em descompasso com os desejos da sociedade, deve ser modificada. Afirma ainda que o Poder Judiciário não pode negar a aplicação dos direitos previstos na Constituição e na legislação. “Não apenas na legislação trabalhista, mas no Direito Civil, Empresarial e no Processo Civil”.

Direitos não respeitados

Ao apontar a suspensão nacional pelo Supremo de todos os processos que tratam da licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica, o presidente do TRT-2 frisou a importância do Painel Nacional de Gestão de Precedentes, que mostra a existência de quase 30 mil processos suspensos na área trabalhista. Segundo ele, os casos de “pejotização” representam quase um terço dos casos suspensos atualmente.

 “A Justiça do Trabalho é o ramo criado há quase um século para analisar os conflitos nas relações de trabalho. Não cria direitos. Não concede direitos. A Justiça do Trabalho faz cumprir as leis que asseguram esses direitos e que, em regra, respeitosamente, digo que são desrespeitados. Não faz sentido atribuir a outro ramo do Judiciário – no caso, a Justiça Comum – a competência para analisar conflitos decorrentes da relação de trabalho. Estamos falando de uma estrutura pública vocacionada, com vasta experiência para pacificação social e prevista na Constituição. Estrutura que corre o risco de ser esvaziada. Não há paz sem justiça social”, afirma.

Homenagem

Ao final da cerimônia, após entrega da placa em honra ao palestrante, o presidente do IASP chamou ao palco o professor Otavio Pinto e Silva, que fez uma homenagem pelo falecimento no dia 1º de junho do advogado Maurício Granadeiro Guimarães, associado do Instituto e destacado nome do Direito do Trabalho brasileiro.

“Maurício marcou a advocacia trabalhista na OAB, mas também aqui no IASP, como associado. Eu o conheci no final dos anos 1980, e talvez um dos momentos mais emocionantes da minha carreira como advogado foi ter sido convidado a ser seu sócio. Foi alguém que se envolveu no associativismo, se envolveu com a advocacia trabalhista e não poderia ter melhor homenagem nesse dia do que o discurso do presidente Valdir Florindo”, disse.


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