IASP promove debate técnico sobre o Coaf e o futuro da inteligência financeira no país
Presidente e secretária-executiva do órgão discutem a natureza dos RIFs, desafios operacionais e a jurisprudência sobre compartilhamento de dados entre o COAF e autoridades de persecução penal
A divergência existente na jurisprudência das cortes superiores sobre o compartilhamento de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a pedido de autoridades penais tem gerado imensa insegurança jurídica (leia mais abaixo em Entenda o caso). Diante desse cenário, profissionais do Direito Criminal, do Direito Bancário, da Magistratura e da Advocacia participaram, em 5/12, de uma manhã de debates no Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), com dois protagonistas do tema: Ricardo Saadi, presidente do Coaf, e Carolina Yumi, secretária-executiva do órgão, ambos empossados neste ano.
Os representantes do Coaf abordaram aspectos administrativos e as perspectivas futuras das investigações criminais que utilizam inteligência financeira – tema central para estudiosos do Direito Penal e Bancário e para agentes do mercado. Em um ano marcado pelo agravamento da divergência jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal (STF), que culminou com a suspensão de todos os procedimentos penais que envolvem a questão em âmbito nacional, o IASP buscou oferecer um espaço institucional para contribuir com o debate público e com o aprimoramento das práticas envolvendo o uso dos RIFs.

Ricardo Saadi enfatizou que o Coaf não é um órgão de investigação, mas sim um produtor de insumos para investigações. Recordou o papel decisivo de Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, na criação e no fortalecimento da estrutura da polícia federal e dos órgãos de inteligência financeira no país. O presidente também destacou a dimensão operacional do órgão: o Coaf recebe cerca de 35 mil comunicações diárias, número incompatível com seu quadro reduzido de pessoal, que conta atualmente com cerca de 100 pessoas. Hoje, apenas 10% dos RIFs são espontâneos; 90% decorrem de intercâmbio – “quase uma cópia da comunicação do banco”, observou. Informou, ainda, que todo o sistema operacional será modernizado.

Para aperfeiçoar o uso dos relatórios, Saadi sugeriu, em primeiro lugar, a criação de um “juízo de admissibilidade” para qualificar previamente os pedidos e evitar solicitações desnecessárias. Em segundo lugar, defendeu que as requisições de RIFs somente ocorram no âmbito de investigações criminais formalizadas, como o inquérito policial, e não em procedimentos preliminares.
Carolina Yumi também destacou o papel histórico de Márcio Thomaz Bastos no amadurecimento da política de combate à lavagem de dinheiro e no desenvolvimento da cultura de inteligência financeira no país. Segundo ela, a atual gestão pretende recuperar essa perspectiva: a inteligência financeira deve ser tratada como método de investigação efetivo e estratégico, e não como mera etapa burocrática. “Essa é a alternativa que temos para conduzir investigações mais eficazes, sem recorrer à violência que vimos crescer em algumas operações recentes”, afirmou.

Ao tratar das discussões sobre a natureza jurídica dos RIFs – especialmente no contexto do Tema 1404 e do Tema 990 no STF – Carolina ressaltou que compreender a natureza do órgão e do relatório de inteligência financeira é crucial. “Se não sabemos exatamente o que é um RIF, como afirmar que ele exige decisão judicial?”, questionou. Ela reiterou que o relatório não constitui prova, mas sim um elemento inicial. Como registrou, o Coaf não tem a função de dizer se há crime ou não. “O que fazemos na inteligência é avaliar se há ‘focinho de porco’. A partir daí, a investigação se desdobra. Nós produzimos inteligência, não conclusões”.
ENTENDA O CASO
- Em agosto, o ministro Gilmar Mendes, do STF, validou decisão que anulou o uso de RIFs solicitados por órgãos de investigação sem prévia autorização judicial.
b) Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso que analisará a constitucionalidade dos RIFs por encomenda, suspendeu decisões que consideravam esse uso indevido, por entender não haver irregularidade na prática – derrubando decisões do STJ em sentido contrário.
c) No Tema 990, o STF decidiu que é constitucional o compartilhamento espontâneo de dados sigilosos (Coaf e Receita Federal) com órgãos de persecução penal, sem necessidade de autorização judicial, desde que haja procedimento formal instaurado e manutenção do sigilo.
d) Já o Tema 1404 busca delimitar como esse compartilhamento pode começar: discute-se se os órgãos de persecução penal podem requisitar diretamente RIFs e procedimentos fiscalizatórios sem ordem judicial e sem inquérito formal, ou se tal requisição constituiria uma “devassa” ilegal.
e) O STF reconheceu a repercussão geral do Tema 1404 e suspendeu nacionalmente todos os processos relacionados até o julgamento final.