Desafios da IA generativa no Judiciário brasileiro são debatidos em encontro do IASP

Especialistas discutiram a aplicação da Inteligência Artificial na Justiça, aspectos éticos e de governança e impactos regulatórios

 

O seminário promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) na quarta-feira (16/09) destacou a necessidade de diretrizes claras para o uso da Inteligência Artificial generativa no Judiciário brasileiro, bem como os avanços tecnológicos já alcançados.

 A programação contou com a participação da conselheira do CNJ Daniela Madeira, do pesquisador do Centro de Estudos em Tecnologia e Sociedade (Cetys) Christian Perrone, do juiz Fernando Tasso e do professor de Direito da USP Juliano Maranhão, que discutiram a evolução da tecnologia na Justiça, os desafios éticos e de governança, e a importância de capacitar todo o ecossistema jurídico.

A mesa de abertura foi composta por Diogo Leonardo Machado de Melo, presidente do IASP, Carolina Aguerre, diretora do Centro de Estudos em Tecnologia e Sociedade da Universidade San Andres (Argentina), e pelo mediador Alexandre Zavaglia Coelho, coordenador do IASP TECH e membro do GT para regulamentação de IA na Justiça.

 

 

“A proposta é levar o uso da tecnologia e fomentar seu estudo a partir daquilo que temos de melhor, que é a nossa cultura, nossa experiência e, sobretudo, a experiência dos nossos associados”, disse Diogo Melo.

 

Papel do CNJ

Daniela Madeira, conselheira do CNJ e presidente do Comitê Nacional de Inteligência Artificial do Judiciário, iniciou os painéis discutindo o papel do órgão na regulamentação, destacando a importância de guiar o uso da IA em vez de proibi-la, enfatizando que a Resolução 615 se baseia em três pilares principais: transparência, auditabilidade e supervisão humana.

Segundo ela, o alto volume de processos no país, atualmente em 80 milhões, é um problema que a tecnologia pode ajudar a mitigar ao focar na otimização de tarefas repetitivas, liberando o tempo dos profissionais.

Daniela afirmou ainda que o desenvolvimento e uso da IA devem ser centrados no ser humano e em seus direitos. “Não é a automação que é a finalidade do uso dessa IA generativa, mas sim quais capacidades, quais direitos humanos a gente quer alcançar de alguma maneira quando se está desenvolvendo e quando se está utilizando a ferramenta”, afirmou.

 

Uso responsável no Judiciário

Na sequência, Christian Perrone aprofundou a análise sobre a evolução da digitalização e o uso de Inteligência Artificial no Judiciário brasileiro. O pesquisador resgatou o processo histórico que possibilitou a implementação das novas tecnologias, destacando como a digitalização foi condição essencial para o desenvolvimento de projetos baseados em IA. 

Em sua fala, Perrone apresentou resultados de sua pesquisa, ressaltando que a efetividade dessas ferramentas depende não apenas de servidores e magistrados, mas de um letramento e de uma capacitação abrangentes que alcancem “todo o ecossistema como um todo, para entender as peculiaridades do Judiciário e para entender como o uso dessas ferramentas pode ter um impacto na sociedade”.

 

Risco de soluções individuais

O juiz Fernando Tasso e o professor Juliano Maranhão discutiram governança e ética no painel seguinte. O magistrado ressaltou a importância de auditoria contínua, fiscalização e fornecimento de ferramentas institucionais, alertando para os riscos do uso de soluções privadas com dados sensíveis.

“A partir do momento que um tribunal adotar uma posição, uma ferramenta institucional ou permitir que os magistrados o façam com equipamentos privados, como é que vamos lidar com esse risco? Então, essa é a forma de governança”, afirmou Tasso.

Fechando o painel, Maranhão, destacou os desafios organizacionais. Ele caracterizou a IA generativa como uma ferramenta geral, capaz de simular conversas humanas sem compromisso com a realidade, o que pode gerar o chamado viés de automação.

Maranhão apresentou dados de uma pesquisa realizada com membros e juízes do Judiciário brasileiro, que revelam um cenário de crescente utilização dessas tecnologias: 15% dos profissionais já fazem uso da IA em atividades cotidianas. Um dado expressivo é que a grande maioria dessas aplicações ocorre por meio de ferramentas privadas, fora do controle da gestão institucional dos tribunais.

A pesquisa também indicou que, embora a maior parte dos usos seja considerada adequada, há destaque para a IA na pesquisa de jurisprudência. Outro ponto relevante é que 83% dos servidores que recorrem a essas ferramentas não comunicam os magistrados sobre o uso, o que reforça a preocupação com transparência e governança no ambiente judicial.