Regulação da internet e risco de censura estatal em debate no IASP

Encontro no Instituto debate moderação de conteúdo e proteção de dados nas plataformas digitais
A Comissão de Proteção de Dados do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) realizou o evento “Moderação de conteúdo e proteção de dados – Os limites da liberdade de expressão nas plataformas digitais”. Com mediação de Mauro Aspis, presidente da Comissão, o debate contou com a participação de Suzana Catta Preta, conselheira do IASP; Rony Vainzof, especialista em direito digital; e André Giacchetta, especialista em responsabilidade civil de plataformas de internet.
O evento reforçou o papel do IASP como espaço privilegiado para discussões jurídicas de ponta, contribuindo para a construção de um marco legal mais justo, transparente e democrático para o ambiente digital brasileiro.
Ao abrir o encontro, Mauro Aspis destacou a relevância crescente do tema e o papel ativo do IASP na promoção de discussões jurídicas de alta complexidade. “A moderação de conteúdo nas plataformas digitais, especialmente quando se cruza com a proteção de dados e os limites da liberdade de expressão, é um dos grandes desafios contemporâneos para o Direito e para a sociedade”, afirmou.
Abusos de jurisdição
A conselheira Suzana Catta Preta apresentou uma crítica contundente ao modelo atual de moderação de conteúdo online. Entre suas principais preocupações estão o uso opaco de algoritmos e Inteligência Artificial, práticas como o shadow banning — que reduz o alcance de conteúdo sem notificação ao usuário — e a aplicação de sanções pelas plataformas sem o devido processo legal.
Para ela, a sociedade está sendo “infantilizada” por um sistema que busca protegê-la de opiniões divergentes, comprometendo a liberdade de expressão e a diversidade de ideias. Suzana também questionou o que considera abusos de jurisdição por parte do Judiciário brasileiro em casos internacionais, alertando para o risco de as plataformas digitais se tornarem instrumentos de censura estatal.
Rony Vainzof fez uma retrospectiva da regulação da internet desde sua abertura comercial nos anos 1990, destacando marcos como a “Declaração de Independência do Ciberespaço” e o Communication Decency Act (CDA). Segundo ele, a lógica inicial de isentar intermediários de responsabilidade direta foi essencial para o crescimento da rede. No entanto, com o avanço das plataformas digitais para um papel quase institucional — os chamados Net States —, aumenta a cobrança por responsabilidade e transparência.
Devido processo informacional
Vainzof defendeu o conceito de “devido processo informacional” como base para qualquer sistema legítimo de moderação, e trouxe exemplos internacionais como o Digital Services Act europeu e o NetzDG alemão, além de casos brasileiros em debate no STF e STJ, enfatizando a importância de um modelo regulatório baseado em conformidade, transparência e equilíbrio.
Encerrando o painel, André Giacchetta aprofundou a discussão sobre responsabilidade civil das plataformas, ressaltando a lacuna normativa da LGPD em relação à cooperação internacional e o desafio jurídico de equilibrar proteção de dados, direito à informação e liberdade de expressão. Ele destacou mudanças recentes no Judiciário, com foco crescente em ações contra remoções feitas pelas próprias plataformas, sem contraditório prévio.
Giacchetta também criticou decisões judiciais que desconsideram limitações técnicas, como a criptografia de ponta a ponta, e alertou para os riscos de uma ampliação da responsabilidade das plataformas por conteúdo impulsionado ou patrocinado. Ao comentar os votos no STF sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet, fez um apelo por uma regulação técnica e proporcional, capaz de preservar a inovação sem abrir espaço para a censura ou a insegurança jurídica.
