Simpósio Investigações e Processo Penal: painéis sobre investigações privadas e defensivas

No período da manhã, o evento tratou das investigações sob o ponto de vista corporativo, de compliance e da cadeia de custódia

O primeiro painel matutino do Simpósio Investigações e Processo Penal realizado no dia 5/6, no IASP, concentrou-se nas investigações privadas e foi mediado por Carla Rahal, presidente da Comissão de Criminal Compliance do Instituto e doutora em Direito Penal. O palestrante Daniel Zaclis, associado do IASP, advogado criminalista e doutor e mestre em processo penal pela USP, abordou algumas questões polêmicas. Segundo ele, em uma companhia média, de 80 a 100 investigações conduzidas por mês uma pequena porcentagem (3% a 5%) apuram alguma atividade criminosa. “O restante é tratado de violação ao código de ética, xingamento entre funcionários, assédio moral. Destas investigações sabe-se muito pouco”.

Ele ressaltou que tais investigações acabam desaguando no processo penal e originam problemas. O advogado lembrou ainda que o trabalho se dá em um tema que possui um vácuo normativo absoluto. Para Zaclis, hoje não há qualquer base legal, de código deontológico, que trata do tema da investigação corporativa e seus reflexos no processo penal.

O advogado Leonardo Ruiz Machado, com certificação em Governança, Risco e Compliance pela Society of Corporate Compliance and Ethics (EUA), destacou a evolução das investigações privadas dentro do contexto corporativo. Segundo ele, no período anterior à redemocratização no Brasil, as investigações possuíam caráter bastante intuitivo.

“Quando se deparavam com quebras de integridade no ambiente corporativo, as empresas usavam o que chamamos de detetive particular ou ‘amigos da força’. Nas décadas de 1980 e 1990, quando começou o movimento da governança corporativa nos EUA, as empresas brasileiras começaram a trazer para seu ambiente profissionais e metodologias forenses de investigação”. Ruiz Machado apontou que, no início dos anos 2000, consultorias e escritórios de advocacia, em parceria com escritórios estrangeiros, ganharam mais relevância.

A prática das investigações e do compliance foi o tema abordado pela advogada Alessandra Gonzales. Especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP, ela evidenciou pontos de atenção e riscos relacionados às apurações, entre eles, o objetivo de uma investigação interna. Segundo ela, as verificações não se tratam de uma punição, mas da busca da verdade por meio da identificação de irregularidades, da garantia de que as atividades estão de acordo com a lei, com as políticas da empresa e a possível identificação de melhoria e remediação das situações.

“A empresa tem um canal de denúncias, um programa de compliance. E as investigações internas compõem o programa porque, para a empresa, é importante saber se há algo errado. Para que ela possa tomar alguma medida, interromper a ação imediatamente e onde se pode aprimorar. Temos estudos que garantem que só acontece a fraude quando há vulnerabilidade. Há que se evitar que aconteça de novo”, advertiu.

Doutora em Direito Penal, Fabíola Rodrigues discutiu a cadeia de custódia tomando como abertura as Leis 12.846/2013 e 12.850/2013. Com mais de 25 anos de experiência e alta especialização, Fabíola pondera que as empresas — em especial as médias e grandes — instrumentalizaram departamentos. O que antes cabia aos criminalistas, hoje cabe aos departamentos de compliance e seus profissionais à frente de apurações. Nem sempre, porém, estas são levadas às autoridades policiais ou ao Judiciário.
“No Brasil, eu não tenho a obrigação de reportar nada às autoridades. Começo um procedimento interno sem a obrigação de reporte. Com equipe interna ou externa, cada empresa faz de um jeito. Já vi empresas japonesas cuja complexidade de procedimento levava a pensar que não funcionaria no Brasil. Outra questão: como é feita a coleta dos fatos? A investigação tem de ser independente”, questiona.

Investigações defensivas

Em seguida, o advogado Antonio Ruiz Filho, membro do IASP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), mediou o tema investigações defensivas. A palestra foi aberta por Marta Saad, professora doutora de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da USP, que circundou as alterações de percepção da importância da investigação.

Segundo ela, todos os esforços de atuação prática e de estudos dogmáticos estiveram centrados na questão da ação penal como reconstituição de um fato do passado. Porém, nos últimos anos, houve mudança em relação à investigação estatal — inquérito policial e investigação pelo Ministério Público.
“Nessa investigação do Estado havia uma função preservadora de inocência e de evitar juízos apressados. Uma percepção de que a investigação, neste momento preliminar, não se volta apenas para a acusação. Ela também permite a percepção de uma estratégia defensiva que leve à negociação de um acordo com base no que foi apurado. Hoje, essa fase preliminar tende à apuração de um fato típico — a verificação de autoria, coautoria, participação, mas, principalmente em tutela do indivíduo”, afirmou.

Gabriel Bulhões, advogado criminalista e presidente da comissão que criou o Código Deontológico de Boas Práticas da Investigação Defensiva, discorreu sobre o tema e ressaltou a oportunidade do painel tentar fazer aproximações entre as boas práticas e a investigação corporativa. Fruto de um trabalho de discussão nacional sobre o tema, Bulhões ocupou-se dos méritos de regras deontológicas postas. Segundo o advogado, o documento lançado em 2022 pela Comissão Nacional de Investigação Defensiva e Inovações Tecnológicas da ABRACIM (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas) vem suprir um vácuo normativo.

“Ainda que deontológico, ele traz de forma quase exauriente as matérias que propõe analisar, desde questões introdutórias à aplicação da cadeia de custódia da prova no ambiente privado, como se lida com as perícias e os assistentes técnicos”, afirmou. Bulhões discutiu ainda o modelo de regulamentação legal.

Advogado, doutor e mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS, Rodrigo Camargo falou sobre suas experiências relativas ao tema e sobre a busca para entender que tipo de modelo seguir: o ultrapassado modelo do inquérito policial ou um modelo próprio? Remetendo-se à fala de Bulhões, Camargo sublinhou conquistas da investigação defensiva.

“Defendo que a investigação defensiva não é, necessariamente, um procedimento, mas um poder. Poder outorgado ao advogado, ao exercício do seu múnus público, em que ele tem que buscar satisfazer a defesa penal efetiva. Essa não vai se limitar exclusivamente, na fase do processo, mas tanto participa da fase de investigação como também de uma fase posterior, de trânsito em julgado”, ponderou.

Renato Vieira, presidente do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e doutor em Direito Processual Penal pela USP, remeteu-se — entre outros referenciais — a um texto de sua autoria baseado em obra do professor de Direito Penal e Criminologia Edson Baldan, sobre investigação defensiva. Na ocasião, a referência vinha da alteração do artigo 391 do Código de Processo Penal da Itália.

“Na obra, Baldan escreveu uma frase impactante: ‘O direito da investigação defensiva é o direito de se defender provando’. A partir daí, a ideia de que a investigação não é uma faculdade, mas um dever do advogado. Isso leva a consequências muito sérias. A investigação defensiva não é uma atividade-fim, mas uma atividade-meio. O que se vai produzir é um aspecto quase secundário, porque o espírito da investigação defensiva é implementar, da melhor maneira possível, a garantia constitucional da ampla defesa”, afirmou Vieira.

Confira aqui os painéis vespertinos.