35 anos da Constituição Federal: Direitos Fundamentais e Inteligência Artificial no Judiciário

Por Avocar Comunicação

Melhorias nas visões de José Roberto de Castro Neves, Victor Marcel Pinheiro e José Rogério Cruz e Tucci; tecnologia a serviço do Judiciário nas opiniões de Flavio Galdino, Elias Marques de Medeiros Neto, Eduarda Chacon Rosas e Mairan Maia

No dia 25 de outubro, o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) realizou um evento em homenagem aos 35 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Coordenado pelo professor, jurista e ex-ministro Roberto Rosas, conselheiro do IASP, Coordenado pelo professor, jurista e ex-ministro Roberto Rosas, conselheiro do IASP, “Constituição de 1988: realidades, implantação, não realização – 35 Anos da Constituição Federal” foi dividido em duas mesas (assista ao evento completo aqui), pela manhã e à tarde.

Na mesa vespertina, sobre “Direitos Fundamentais”, presidida pela professora e conselheira do IASP, Maria Garcia, os professores José Roberto de Castro Neves, Victor Marcel Pinheiro e José Rogério Cruz e Tucci apresentaram suas exposições sobre como os princípios.

Após a professora Maria Garcia introduzir os trabalhos mencionando que “a Constituição ainda é uma ilustre desconhecida do povo brasileiro” e que  “uma sociedade politicamente educada não precisaria de uma Constituição tão extensa”, tomou a palavra do professor Cruz e Tucci.

Para ele, a  pedra de toque da Constituição foi  Infundir cidadania em cada cidadão brasileiro, uma dimensão que nunca haviam tido em termos de direitos individuais

Lembrou que a expressão “devido processo legal” não estava muito em voga no país. “Ninguém falava em constitucionalização do processo quando fiz faculdade. No começo dos anos 80, começa a se falar no país em processualização do processo civil. Aí vem a Constituição no momento mais oportuno possível . Nós ganhamos um arcabouço de regras que propiciam garantias ao jurisdicionado, as quais nunca houve”, disse.

Segundo Cruz e Tucci, hoje a ciência processual está madura em consonância com texto constitucional, que é incisivo quanto ao contraditório e tratamento paritário de armas.

Nova concepção

Por sua vez, José Roberto de Castro Neves mostrou como a Constituição dá aos advogados e ao direito uma nova forma de raciocínio, uma nova concepção do fenômeno jurídico.

Segundo ele, a Constituição poderia ser menor, pois traz muitos conceitos abertos e muita normas programáticas, apontando o que o Estado deseja, mas tem um núcleo, que são as garantias fundamentais: direito a nacionalidade, direitos sociais, direitos individuais coletivos, direitos políticos.

“Intimidade é um conceito subjetivo e hoje em dia perdeu o valor que havia – no mundo atual ser popular é um ativo. Uma norma aberta demanda sensibilidade particular dos aplicadores do direito – e essa é uma das mudanças da análise do fenômeno jurídico – e que entram em conflito com mais frequência”, afirmou.

Segundo o professor, é legitimo que pessoas protejam sua intimidade, mas não há democracia sem imprensa (informações circulam). Porém, ninguém é feliz hoje se não puder expressar ideias e sentimentos. !Eis o potencial embate: Direito à intimidade/privacidade versus liberdade de expressão/informação”.

Para ele, há necessidade de ponderação e uma análise valorativa a partir de exame de caso concreto (macular a boa fama, atingir a honra p. ex.). Como parâmetros de ponderação, sugere a avaliação de caso levar em conta: interesse e utilidade para o público; se a imagem é essencial; veracidade do fato; existência de animus injuriandi (motivo do veículo); limite do bom gosto; se pessoa objeto da notícia é pública / local público).

Já Victor Marcel Pinheiro dedicou sua palestra de encerramento da primeira mesa da tarde ao argumento sobre direitos fundamentais, um pêndulo que hora se fortalece no sentido processual, ora no material. Citou frase do jurista Martin Kriele: “Mais vale um sistema constitucional que garante independência constitucional do que uma longa carta de direitos”.

Comentando que dede a década de 2000, o Supremo tem trazido paulatinamente formas diferentes de argumentar sobre direitos fundamentais, com mudança na forma como se trabalha os casos, Marcel afirma que “proporcionalidade hoje é método de excelência para se trabalhar com direitos fundamentais e categorias abstratas.

Como Judiciário pode fazer parte da construção de uma política pública, questiona, para, em seguida avaliar os desafios da advocacia, dentre os quais se inteirar melhor com a política e o processo de se fazer leis no país. “Nosso desafio é repensar o sistema de proteção de direitos fundamentais levando a sério o sistema de precedentes e pensarmos um direito constitucional que se aplica no Judiciário, no Executivo e no Legislativo. Talvez a nova forma de pensar a dogmática de direitos fundamentais seja levar a sério como as leis são feitas e como se dá a construção de políticas públicas”.

Inteligência Artificial

A última mesa da tarde, sob a presidência de José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, ex-presidente do IASP, teve como tema “Judiciário/Modernização: Inteligência Artificial no Judiciário”. A tecnologia a serviço do Judiciário, seus riscos e efetividades foram abordados pelos professores Flavio Galdino e Elias Marques de Medeiros Neto, pela integrante do Comitê de IA da OAB Nacional Eduarda Chacon Rosas e pelo desembargador Mairan Maia, presidente do TRF-3.

Diante da realidade atual em que é possível usar Inteligência Artificial (IA) em tarefas repetitivas, mas mantendo a parte dispositiva e decisiva com um humano, José Horácio Halfeld fez uma provocação à mesa: “Gostaria de ouvi-los a respeito da transferência da decisão e da expectativa de perder o poder decisório para a máquina”.

Elias Marques de Medeiros Neto começou a explanação trazendo como tema quais os princípios processuais que dialogam com a Constituição e por que esses princípios são protegidos pelo bom uso da IA e a forma pela qual a IA é uma guardiã desses princípios.

Mas onde a Justiça 4.0 pode auxiliar na materialização desses princípios? Segundo Medeiros, IA não é vilã e teremos robôs decidindo, ou pessoas diferenciadas pilotando a IA, e mecanismos diferenciados para traduzir formas de decisões a serem proferidas.

“Temos hoje sistemas em andamento, testados e bem sucedidos, que cuidam de gestão de dados, automação de rotinas e tarefas burocráticas,  mas todos terão de dialogar muito bem com os princípios constitucionais: IA como pilar de sucesso dos artigos 4 (efetividade) e 8 (eficiência) do CPC, mas ela precisa ser utilizada com cuidado para não eliminar os deveres do magistrado (artigo 6)”, explica.

Eduarda Chacon Rosas propõe, primeiro saber o que é IA e de que maneira ela repercute nas nossas vidas e como fica o Judiciário para depois pensar em regulamentação. “De um lado, temos aplicação prática em ambiente não regulado, que já aconteceu, é realidade, estão implementadas. De outro, temos de entender o que aconteceu, o que é a IA”, disse.

Eduarda entende que o tratamento com IA necessariamente deve ser multifacetado, uma atuação interdisciplinar, não só entre jurista e técnico de informática, mas também do filósofo (conhecer ética), do linguista (saber significados das palavras inseridas) e outros.

“E o que tem a ver com  juízes? Resolução do CNJ diz que juízes têm de ter discernimento e responsabilidade  para lidar com IA. Mas não somos uma sociedade devidamente alfabetizada e agora como exigir letramento digital? Para tomarmos decisões como juízes, precisamos primeiro nos alfabetizar digitalmente”, afirma.

Flavio Galdino, por seu lado, trouxe números sobre o Judiciário para explanar em seguida como a IA impacta no Judiciário de forma intensiva.

Dentre os números citados, destacam-se que, em 2023, o Judiciário brasileiro conta com 92 tribunais, 18 mil juízes, mais de 450 mil servidores diretos, 60 milhões de processos, 8,5 juízes para cada 100 mil habitantes, infraestrutura que consome 1,2% do PIB por ano, ou R$ 104 bilhões, 92% gastos com recursos humanos, enquanto em SP há cerca de 1,4 milhão de advogados.

“Rumamos para uma realidade em que juízes vão escrever a parte dispositiva e deixar a fundamentação para a tecnologia. Isso geraria uma economia estrondosa. Por que isso não vai influenciar o serviço jurídico? Não me refiro a rotinas e base da dados, isto já é realidade, a máquina faz triagem de processos. Inventaram um negócio que pode nos substituir, ou grande parte da nossa atividade”, explicou.

Após expor que há sites que fazem petições e dão orientação jurídica nos EUA capazes de fazer qualquer contrato e até instrumentos preditivos que podem definir os rumos de um caso e citar o caso que em o ChatGPT criou oito precedentes (inexistentes) em uma petição para um advogado nos EUA, Galdino sugeriu uma reflexão: “Haverá autoproteção ou os melhores interesses da coletividade serão atendidos, a saber baratear os custos do Judiciário e alocar esses recursos para atividades mais relevantes para a coletividade?”.

Constituição e modernização

Encerrando o evento, o desembargador federal Mairan Maia, com experiência de 31 anos na magistratura, demonstrou o quanto a Constituição inaugurou uma nova diretriz no Poder Judiciário, ao afirmar que o acesso à Justiça é garantia constitucional, e que as decisões devem ser assim fundamentadas para dar segurança ao cidadão.

Por outro lado, contou que processo virtual é realidade desde 2000 na Justiça Federal, que já nasceu digitalizada quando foi criada em São Paulo. Em 2008 o CNJ começou a utilizar processo virtual, e isso veio num crescendo. E graças à pandemia, uma revolução que levaria dez anos aconteceu em dois: todo os processos físicos no Estado de SP foram digitalizados.

“Isso trouxe mudança de procedimentos. Juiz tem de usar algoritmos de IA para localizar processos. O TRF da 3ª região tem corpo de informática e algoritmos desenvolvidos pelos nossos servidores. Em 2020 ganhamos o Prêmio Innovare com o projeto Sigma”, disse.

Para o desembargador, a IA pode ser usada para levar justiça a quem não tem ou nunca teve – populações ribeirinhas, por exemplo, ou justiça itinerante. “O princípio constitucional de acesso à justiça – com inter-relacionamento com  parceiros para efetivar esse princípio, tais como Marinha, Exército, Aeronáutica, INSS, prefeituras, OAB. Direitos fundamentais ainda básicos nós temos de resolver por aqui”, afirmou.

Assim, conclui Maia, “redescobrir essa dimensão do Judiciário com poder de servir como forma de modernização mostra a transformação que a Constituição Federal propiciou nesses 35 anos”.

Confira a mesa matutina neste link.