Barroso fala em gargalos do Judiciário, pacificação do país e papel do Supremo no arranjo institucional

Ao abrir a reunião-almoço com o presidente do STF,  o presidente do IASP, Renato Silveira, salientou que a advocacia está ao lado do Supremo na defesa enfática da autonomia do Judiciário e dos ideais de Justiça presentes na Constituição

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), dedicou sua palestra na reunião-almoço realizada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) no dia 23/10 a três temas cruciais: a extrema visibilidade do Supremo, a pacificação do país e propostas para o Judiciário.

Barroso iniciou falando sobre a necessidade de pacificação do país, o papel do Supremo no arranjo institucional  brasileiro e sobre visibilidade e protagonismo do Judiciário, fazendo distinção entre ativismo e judicialização. Não deixou de expressar ainda sobre a alma de advogado, carreira que exerceu  antes magistratura.

 “Fui advogado muitos anos e ser juiz é mais difícil. Advogado só tem uma decisão, aceitar ou não a causa, e um compromisso ético de encontrar teses jurídicas e razoáveis e defendê-las. O juiz tem de ouvir um lado, o outro, tem de respeitar os direitos fundamentais do acusado e também proteger a próxima vítima. Advogado tem certezas, juiz tem dúvidas. Ser juiz não é um exercício de autoridade, é servir a sociedade.”

Por isso, na abertura do evento, o presidente do IASP, Renato Silveira, fez uma defesa enfática da classe da advocacia, citando o orgulho de representar o IASP com a casa cheia nessa homenagem, e dando ainda nova ênfase ao defender o Judiciário.

“Nossa sina não se trata de agradar, trata-se de lutar por um ideal, missão do advogado e do Instituto. Sobre Barroso, não há quem não o conheça, um dos maiores constitucionalistas. Sobre o Judiciário, este vive momento crucial. A advocacia nunca esteve a se mostrar tão importante ao Judiciário quanto neste momento”, disse.

Nesse ponto, Renato Silveira lembrou os riscos pelos quais passa o Judiciário. “Na defesa de sua autonomia, devemos nós estarmos contra a desconstrução pretendida por tantas PECs a bater nas portas do Supremo. Conte com a advocacia para fazer coro à ideia de justiça, ministro. Com sua boa condução e com a advocacia o Supremo estará ao lado de boas causas”, completou.

Constitucionalização

O presidente do STF apontou que “o arranjo institucional brasileiro facilita, quando não estimula, o acesso ao Judiciário”. Judicialização não só quantitativa (com 80 milhões de processos), mas também qualitativa, pois questões importantes passam pelo Judiciário.

Por isso, segundo Barroso, o STF acaba tendo “um certo protagonismo na vida brasileira, às vezes até excessivo porque a Constituição é extremamente abrangente”. Constituições de outros países cuidam da organização do Estado e dos Poderes e estabelecem os direitos fundamentais. A Constituição brasileira além disso, cuida ainda dos sistemas tributário, previdenciário, de saúde, de educação, de cultura, de proteção do meio ambiente, de proteção da criança, do adolescente e do idoso etc.

“Muitas matérias que, em outras partes do mundo, são deixadas para a política ordinária, são constitucionalizadas no Brasil. Trazer uma matéria para a Constituição é retirá-la da política e trazê-la para o Direito. Com isso, a Constituição permite que muitos temas sejam objeto de interpretação constitucional”, concluiu o ministro.

Gestão no STF

Barroso comentou dois gargalos no Judiciário Um deles, o prazo médio de duração da tramitação dos processos judiciais no Brasil de cinco anos e meio, que é, segundo ele, distorcido pelas execuções fiscais, que ficam travadas pela falta de localização do devedor ou de seus bens.

Segundo o ministro Barroso, as execuções fiscais ficam “eternamente paralisadas” e puxam a média para cima. Ele classificou a situação como um desastre: “Precisamos tirar do Judiciário essa carga negativa, para sabermos, em números desagregados, qual é efetivamente a demora”.

O outro grande gargalo é o congestionamento da Justiça Federal com ações relacionadas ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos Juizados Especiais. Barroso anunciou que se reunirá com o presidente da autarquia  para discutir “o que é possível fazer” diante deste panorama.

Precatórios federais que não pagos também foram citados. “É desrespeito ao Judiciário,  portanto temos de equacionar essa matéria”, disse, informando que já se reuniu com a Advocacia-Geral da União, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e com o ministro Luiz Fux, relator no STF das ações que contestam o regime atual de pagamento.

Sobre inteligência artificial no Judiciário, o ministro considera muito importante, mas trata-se de um tema delicado. “Precisamos de IA, mas tendo a percepção dos riscos, abusos e desvios”. Ele já fez três encomendas a big techs, para atendimento pro bono.

Uma delas é uma IA generativa, semelhante ao ChatGPT, para uso estritamente jurídico capaz de produzir “uma primeira minuta do que é adequado a cada caso à luz da jurisprudência”, com supervisão do magistrado responsável. Outra ideia é um programa que resuma os processos para os magistrados — que apresente fatos relevantes, decisões já tomadas em outras instâncias e argumentos do recurso. E ainda uma interface única para os sistemas de todos os tribunais, que possuem plataformas diferentes.

Por fim, o ministro disse que considera muito importante a “agenda de mais mulheres nos tribunais”; e defendeu novamente, perante audiência de advogados e magistrados, a criação de um exame nacional da magistratura como requisito para os concursos públicos.

Pacificação do país

No mesmo evento, o ministro enfatizou a necessidade de pacificação do país pós-eleições e superar a imagem que uma legião de pessoas representadas no Congresso criou de que o Supremo é um problema. “Precisamos reconquistar corações e mentes e demonstrar que não somos o problema. Salvamos milhares de vidas na pandemia e tivemos um papel muito importante na defesa da democracia. O STF é um tribunal que presta serviços ao país e, como toda obra humana, tem acertos e desacertos”, afirmou Barroso.

O ministro aproveitou a reunião-almoço para reforçar que não tem pretensão política nem deseja se candidatar no futuro, reiterando que sua gestão à frente do STF vai batalhar para “resgatar no Brasil a capacidade de dialogar sem desqualificação do outro, sem ofensas nem desmerecimentos a quem pensa diferente. Democracia tem lugar para todos. Liberais, progressistas, conservadores, ninguém tem o monopólio da virtude”, completou.

Barroso fez questão de lembrar que a agenda nacional que ele tem proposto não é dele, mas está na Constituição, sendo portanto, uma causa do Brasil: erradicar a pobreza; crescimento econômico; educação básica; investimento na ciência e tecnologia; valorizar a livre iniciativa; habitação e proteção ao meio-ambiente.

Finalizou dizendo que a certeza que une a todas as correntes políticas é a ideia de que o país é maior e melhor do que está conseguindo ser. “A história não é um destino que se cumpre, é um caminho que a gente escolhe, e a vida é feita de muitos recomeços, como podemos assistir no Brasil. Quem sabe esse é um recomeço da grandeza que a gente verdadeiramente espera”.