Andréa Pachá: “Precisamos exercitar a generosidade diante das diferenças e das pluralidades”

Desembargadora debateu no IASP as principais mudanças enfrentadas pelo Direito de Famílias e Sucessões nos últimos anos

A Comissão de Estudos de Direito de Família e Sucessões do IASP organizou o evento “Transformações no direito de família e sucessões em tempos de vulnerabilidade”, com a palestra da desembargadora e ex-vice-presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), Andréa Pachá. “Além de emanar conhecimento, afeto, acolhimento, a convidada nos mostra quanto a sociedade precisa mudar. Foi um privilégio tê-la neste evento histórico”, ressaltou a presidente da Comissão, Clarissa Campos Bernardo.

Segundo Andréa, as mudanças sociais estão cada vez mais imediatas, rápidas e de difícil digestão, pois se inaugura uma nova linguagem. Isso se traduz na mudança das formulações de núcleos familiares e, por conseguinte, na atuação do Direito frente a essas novas famílias. “Muitos sentem saudade do modelo conservador de famílias do passado, mas a gente é generoso com a memória, pois ela turva a nossa lembrança. Eram nesses ambientes de perfeição idealizada onde se forjavam as maiores violências contra as crianças e as mulheres”, disse.

Para a magistrada, é essencial que os operadores do direito se esforcem para compreender a complexidade dessas mudanças familiares e seu reflexo na sociedade, por exemplo, orientar planejamento sucessório com três pais ou duas mães. “O convite que eu faço é para a gente compreender a complexidade dessas mudanças e exercitar a generosidade diante das diferenças e das pluralidades”.

“Todas essas vozes que ouvimos hoje são vozes que sempre existiram, mas que eram silenciadas por uma sociedade que se organizava de uma maneira extremamente excludente e na qual só faziam parte aqueles que eram convidados para a festa. Toda nossa ordem normativa, inclusive de direito da famílias e sucessões foi pensada a partir da experiência dos homens.”

Frente a essas dificuldades, sobretudo de ataques conservadores que buscam um retrocesso da democracia, os direitos fundamentais e de famílias se encontram cada vez mais em perigo, pois só conseguem ser preservados e respeitados em ambientes democráticos, apontou Andréa. “Nunca foi tão urgente zelar pelos controles democráticos. Longe do mundo ideal, longe de ser justo ou injusto, são aqueles controles que levam a sociedade à compreensão de que uma norma existe e se presta a todo mundo”.

A incorporação de pautas raciais pelos operadores de direito também foi uma das questões levantadas pela palestrante, que afirma que os processos devem tomar esse cuidado. “Não consigo olhar para um processo de uma criança que leva um mata-leão no supermercado, enquanto o mercado alega exercício regular do direito, sem enfrentar a questão racial”, destacou. “Se não há preconceito, por que os negros têm um nível de escolaridade menor? Por que a população carcerária é composta por 70% de negros? Por que os jovens negros são os que mais morrem no Brasil?”’, indagou, lembrando fala do técnico de futebol Roger Machado.

Andréa ainda destacou a importância da construção do direito das famílias se fazer por meio da linguagem do afeto, do humor e do cuidado. “Os grandes avanços que tivemos no direito das famílias vieram da compreensão de que o afeto estrutura as relações entre os integrantes dessa família: um afeto garantidor e humano e não utilitário”, destacou. As redes sociais, segundo a desembargadora, vieram modificar a nossa compreensão de linguagem para algo redutor e binário. “O binarismo exigido por essa linguagem redutora é o oposto que precisamos usar no fortalecimento do direito das famílias. O ódio é, em última análise, a ausência da linguagem”.

A magistrada finalizou, recordando passagem pelo Instituto. “Poder voltar ao IASP para falar sobre direito das famílias e das transformações desse mundo tão turbulento foi uma oportunidade única, ainda mais com uma plateia tão interessada e questionadora”.

A mesa também foi composta pelo presidente do IASP, Renato Silveira; a diretora cultural do IASP, Ana Nery; e a vice-presidente e a secretária da Comissão de Direito de Família e Sucessões, Camila Werneck e Hannetie Koyama Sato, respectivamente.