Direito Penal “não deu conta” de lidar com os desafios do meio ambiente, afirmam especialistas 

1º Congresso de Direito Penal Ambiental do IASP debate as principais limitações da legislação para proteção do meio ambiente

O Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) sediou seu primeiro Congresso de Direito Penal Ambiental na terça-feira (13/6), organizado por uma articulação das Comissões de Estudo de Direito Penal e Ambiental. “É um marco para o Instituto trazer esse tema tão relevante após tantos acontecimentos e preocupações ambientais que o Brasil e o mundo passam”, ressaltou a presidente da Comissão de Direito Ambiental do IASP, Priscila Artigas.

Os painéis do evento foram: Problemas Atuais do Direito Penal Ambiental; Compliance, ESG e Direito Penal Ambiental; Grandes Desastres Ambientais e Direito Penal; Responsabilidade da Pessoa Jurídica e Seguros; e Amazônia: Crime Ambiental e Lavagem de Dinheiro.

Os crimes ambientais de Brumadinho e Mariana, o crescimento do crime organizado e o aumento das queimadas na região amazônica são alguns exemplos da ofensiva que o meio-ambiente vem recebendo nos últimos anos.

Tais fenômenos colocaram em xeque como o Direito vem lidando com o meio-ambiente, sobretudo o Direito Penal. “Será que não precisamos pensar no modelo que a Constituição nos trouxe? A Constituição pensa em um meio-ambiente que é protegido por todos os ramos, não só do Direito, mas da própria estruturação socioeconômica”, apontou a professora de Direito da USP, Helena Lobo. “Será que o remédio é mais do mesmo?”, questionou. 

Segundo a advogada e acadêmica, o Direito Penal já foi levado para além das suas possibilidades “para tutelar o meio-ambiente” e não mostrou resultado na prevenção de novos crimes, além de continuar existindo um enorme déficit de execução de multas. Ela aponta que uma das soluções é o fortalecimento dos órgãos administrativos que tenham a capacidade de exercer o papel do Direito Administrativo sancionador. “O Direito Administrativo sancionador pode interditar uma empresa no dia em que chega para fiscalização, e o Direito Penal não”, comentou. “As empresas temem muito mais o Cade do que o Direito Penal”, concluiu. 

O professor e associado do IASP, João Paulo Martinelli, também citou a falta de infraestrutura dos órgãos administrativos, fiscalizadores e investigativos frente aos crimes contra o meio-ambiente. “Ao invés de transformar a lei em algo mais rigoroso, temos que pensar na investigação, nos meios de prova, estruturar os órgãos de fiscalização e dar segurança para os agentes que trabalham”, afirmou. 

A prevenção de novos crimes ambientais por parte das empresas também foi tema do segundo painel do evento, que abordou “Compliance, ESG e o Direito Penal Ambiental”. A conselheira do IASP, Marina Coelho, destacou a autorregulação como uma das soluções no combate aos crimes ambientais. “Não estamos conseguindo atingir resultados potentes com a repressão”, comentou. “Para transformar a cultura, é necessária a autorregulação: mudança de normas internas, compliance e política ESG”, exemplificou ela. 

A desembargadora do TRF3, Inês Virgínia Prado Soares, em consonância, reafirmou a necessidade de programas de compliance e monitoramento nas empresas. Segundo ela, são necessárias ações de auditoria externa conduzidas por órgão público fiscalizador, monitoramento independente e certificações de compliance baseadas em standards conhecidos e obtidos mediante auditoria independente. “Quando a empresa incorpora um programa de compliance, ela incorpora princípios e normas ambientais e só tem sentido se for assim”, concluiu a magistrada. 

No terceiro painel do evento, a responsabilização penal após crimes ambientais por parte das empresas foi um dos principais tópicos. “Quem vai ser responsabilizado? Existe uma grande dificuldade, porque na maioria das denúncias oferecidas utiliza-se uma responsabilização penal objetiva, que não é permitida no Brasil”, apontou a presidente da Comissão de Direito Penal do IASP, Heidi Florêncio Neves. “Será que é efetivo o uso do Direito Penal nesses casos (grandes desastres ambientais)? Será que se essas pessoas forem condenadas no final do processo isso vai evitar que novos acidentes aconteçam?”, questionou, referindo-se à necessidade de se reforçar a prevenção. 

Professora e advogada penal, Cláudia Barrilari trouxe a questão da responsabilização penal da pessoa jurídica. “Enquanto sociedade, nós precisamos de uma modificação urgente neste panorama regulatório. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é muito mal aproveitada no Brasil, prevista apenas para crimes ambientais e completamente disfuncional”, comentou. A advogada destacou que existem muitos debates no exterior questionando a ideia da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

A crise ambiental amazônica e a questão da lavagem de dinheiro foram os tópicos do último painel do Congresso. O professor e pesquisador da Universidade Estadual da Bahia, Aiala Colares, ressaltou a necessidade de se abordar o problema da Amazônia por meio de uma perspectiva regional dos países da “Panamazônia”. Ele também destacou que o narcotráfico é o grande articulador de toda a pressão que a Floresta Amazônica e as populações que lá habitam vêm sofrendo nos últimos anos.

“Há uma necessidade de um debate que parta da possibilidade de se construir uma agenda de segurança nacional, considerando que o problema que a Amazônia brasileira enfrenta hoje é o mesmo, em outras dimensões, que a Amazônia peruana, equatoriana, boliviana, bem como Suriname e Guianas enfrentam”, exemplificou o pesquisador. 

Todos os participantes podem ser consultados clicando aqui.