Debate no IASP aponta lacunas na justiça penal negocial

Por Avocar Comunicação

Segundo presidente da Comissão de Direito Penal do IASP, a modalidade ainda apresenta “um déficit na legislação e dificuldade na aplicação”

A justiça penal negocial ganhou força em meio aos escândalos da Lava-Jato entre 2014 e 2021, sobretudo representada pelos acordos de colaboração premiada. A modalidade foi tratada, também, na lei 13.964 de 2019, conhecida como pacote anti-crime, apesar de ainda ter deixado lacunas legislativas e de aplicabilidade.

Segundo a professora de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), Helena Lobo, o “déficit na legislação” resulta em um cenário de insegurança jurídica. “Em um Estado de Direito, a gente precisa ter lei regulando as questões e é isso que falta aqui”, comentou. “Às vezes a mesma operação tem decisões opostas”, concluiu a docente.

Com o objetivo de discutir a temática, o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) sediou na quarta-feira (21) o evento “Justiça Penal Negocial em Debate”, organizado pela Comissão de Estudos de Direito Penal do Instituto, presidida pela advogada Heidi Rosa Florêncio Neves, em conjunto com o Procurador da República, Rodrigo de Grandis.

Dividido em três painéis, o encontro buscou debater os diferentes tipos de acordo do direito penal: de leniência; de não persecução penal e; colaboração premiada. Contando com diferentes atores da comunidade jurídica: procuradores, advogados, professores e magistratura, o objetivo foi trazer “todos os atores do processo penal para discutir, para conversar e para ver qual é o melhor caminho”, conforme explica a presidente da comissão organizadora.

Uma das principais questões que rondam os acordos no direito penal é o sujeito para quem é direcionado. Os acordos de leniência descritos na lei antitruste são os únicos que preveem não somente a extinção de punibilidade da pessoa jurídica, como também da pessoa física. Para a procuradora da República Samantha Dobrowolski, “a adesão de pessoas físicas ao acordo da empresa ou eventualmente colaborações premiadas feitas em paralelo” deveriam ser do interesse do Estado, à medida que oferecem mais detalhes para a apuração e investigação de determinado ilícito.

Segundo ela, é impossível dissociar as pessoas físicas da empresa nas negociações da justiça penal. “Ambos, empresas e pessoas físicas a ela relacionadas, dependem um do outro”, ressaltou. “A empresa, porque é dela a titularidade de contas, documentos, o interesse que levou a uma determinada fraude ou ilícito, mas quem materializou os atos que geraram o ilícito foram pessoas físicas”, concluiu a Procuradora.

“Como que o particular vai se sentir incentivado a buscar esse acordo de colaboração em conjunto com um acordo de leniência que vai ser homologado por um juiz se a gente vai ter muito pouca segurança com relação a validade dessa homologação”, reforçou ainda a professora Helena Lobo.

Os limites da atuação do judiciário nos acordos de não-persecução penal (ANPP) também foi tópico ao decorrer do debate. O Procurador da República Andrey Borges destacou as diferentes formas de controle judicial frente à relação do Ministério Público com o autor do ilícito. “O controle da omissão por ausência de requisitos legais; controle da omissão por falta de consenso relacionado ao conteúdo; controle da ação por ausência dos requisitos legais e; o controle da ação por excesso ou insuficiência de cláusulas”.

Apesar disso, o Procurador ainda cita também um “vácuo legal” da forma de atuação do poder judiciário, sobretudo na questão da falta de consenso quanto ao conteúdo do acordo. “A doutrina tem que pensar sobre o que fazer com esse vácuo”, ressalta ele. O vácuo legal caminha ao lado do “déficit legislativo”, apontado pela presidente da Comissão de Direito Penal, Heidi Florêncio.

O evento também contou com a participação do presidente do IASP, Renato de Melo Jorge Silveira; do coordenador-geral de Análise Antitruste da Superintendência-Geral do Cade, Felipe Roquete; da advogadas e professoras Amanda Athayde; Advogada e Marta Saad; da advogada Maria Elizabeth Queijo; da juíza federal da 3a Região e Diretora do Centro de Estudos da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp), Silvia Melo da Matta; do advogado e professor Gustavo Badaró, e dos advogados Ilana Martins Luz e Rogério Taffareloo.

A gravação do encontro fica disponível no canal do Youtube do IASP. Para assistir ao evento na íntegra, clique aqui.