Todos são responsáveis pelo caos no Judiciário, afirma ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ

Por Avocar Comunicação

Comissão de Novos Advogados do IASP recebeu o magistrado que falou sobre o Direito Penal em seus vários aspectos, do punitivismo à consolidação das jurisprudências

Coordenado pelos advogados Bruna Alves de Souza e Marcelo Egreja Papa, integrantes da Comissão, o evento contou com a participação do diretor José Carlos Magalhães Teixeira Filho e foi aberto pelo presidente Renato de Mello Jorge Silveira. Ao dar boas-vindas em nome da instituição, o presidente do IASP agradeceu a presença do ministro e ressaltou as qualidades dele como grande conhecedor e debatedor do direito penal.

A Comissão de Novos Advogados do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) realizou, no último dia 7 de junho, um bate-papo com o Ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao longo de mais de duas horas, o ministro discorreu sobre os principais problemas atuais do Poder Judiciário e sobre como advocacia e magistratura podem contribuir para minimizá-los.

“O ministro é reconhecido como um dos maiores conhecedores de direito penal da Corte, onde, em pouco tempo, já demonstrou toda sua capacidade e envergadura em defesa de um direito penal preocupado com o homem e com a lógica do punir. Punir não é só castigar. É pensar na punição, nas relações sociais, em toda uma dimensão muito maior do que aquela contida na lei”, ponderou.

Ao passar a palavra para o convidado, Bruna Alves de Souza lembrou que o ministro começou sua carreira como advogado e que, hoje, além de ministro do STJ, é vice-presidente da Comissão Latina Americana de Prevenção ao Crime, membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e membro efetivo do Conselho da Justiça Federal. Ela também enalteceu a oportunidade que uma conversa com ele representa para qualquer pessoa ligada ao Direito e, especialmente, para jovens advogados.

O ministro Sebastião Reis Júnior manifestou o entusiasmo em poder dialogar com jovens advogados e mencionou sua longa carreira de 25 anos na advocacia como experiência fundamental para o trabalho que hoje exerce no tribunal. “Acho muito importante levar para dentro dos tribunais a experiência da advocacia, mas acho que mais importante é o advogado que passa a integrar o tribunal poder conversar com seus ex-colegas e dizer qual a realidade dos tribunais, como os advogados podem ajudar numa melhor prestação jurisdicional”.

Questionado sobre os principais desafios que o tribunal enfrenta hoje, o ministro citou o enorme volume de processos e apontou que a responsabilidade por essa situação é compartilhada. “O caos que o Judiciário vive hoje é reponsabilidade de todos nós. A Justiça gosta de se alimentar de processos. Juízes, advogados, Ministério Público, serventuários, polícia, imprensa – todos contribuem para esse caos que hoje estamos vivendo. Enquanto a gente não assumir nossa parcela de responsabilidade e refletir sobre como vamos resolver esse problema, acho que a tendência é piorar”.

Sobre os remédios geralmente empregados sob pretexto de se combater o crime, Sebastião Reis Júnior foi enfático ao refutar o aprisionamento e endurecimento de penas. “É uma iIusão achar que a prisão é a solução para a criminalidade. O legislador pensa que aumentar pena e criar dificuldades para progressão, criar novos tipos penais, vai acabar com a criminalidade. A realidade já mostrou que isso não funciona”.

O ministro apontou que há uma preocupação “quase nula” com prevenção e ressocialização em nosso país, lembrando que no Pacote Anticrime, elaborado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, não havia nenhum dispositivo que tratasse desses aspectos.

Ele falou ainda sobre a necessidade de se melhorar a capacidade investigativa das polícias, lembrando que entre 80 e 85% dos homicídios no Brasil não são desvendados. “Isso deve-se à falta de capacidade investigativa. A maioria das prisões relacionadas a esses crimes ocorre em flagrante”.

Advocacia e magistratura unidas para solucionar problemas

Ao ser perguntado sobre como a advocacia pode auxiliar a melhorar essa situação, não poupou críticas, mas também não deixou de dar orientações práticas. “Há uma crítica muito grande aos juízes que decidem contra os precedentes dos tribunais superiores, mas o advogado não tem o menor pudor em entrar com habeas corpus, em recorrer de uma decisão calcada numa súmula do Supremo ou do STJ. Os advogados também são responsáveis por esse volume de processos. Usam e abusam de habeas corpus e recursos inviáveis”, lamentou.

Citando o professor Paulo Laitano Távora, incentivou os advogados a serem objetivos e a se prepararem para sustentações orais e audiências com os juízes. “O melhor conselho que eu posso dar a um advogado hoje é: seja claro, direto, objetivo. Ajude o juiz a te ajudar. Junte os documentos essenciais ao processo, indique ao juiz aonde estão os documentos relevantes. Facilite a vida do juiz. Na sustentação oral, seja conciso, objetivo, pragmático, sem rebuscamento. Concentre-se no processo e pense naquilo que o juiz poderá perguntar”, orientou.

Ao responder a um questionamento sobre o fato de alguns julgamentos se tornarem verdadeiros espetáculos midiáticos, Sebastião Reis Júnior argumentou que processos penais não deveriam ser transmitidos via TV Justiça, pois a simples transmissão já é uma condenação, mesmo quando o réu é absolvido. “A exposição da pessoa naquela situação já é um dano em si. Durante o julgamento do ‘Mensalão’, tinha mesa redonda composta por jornalistas para comentar os julgamentos. Acho essa publicidade extremamente nociva. Por mais que um juiz diga que não é influenciável, acaba por sofrer o impacto da opinião pública”.

Em relação à atuação policial abusiva e possíveis saídas para evitá-la, o ministro foi enfático ao afirmar que só uma mudança de cultura é capaz de alterar esse quadro. “Creio que só com uma mudança de mentalidade. Tem que mudar o processo penal, algumas leis, alguns dispositivos, até porque a vida é muito dinâmica, mas só muda se realmente mudar a visão do aplicador da lei”.

Como exemplo dessa necessária mudança, ele citou a controvérsia em torno da criação da figura do juiz de garantias: “Um dos grandes problemas do juiz de garantias é o nome, pois se passou a ideia de que seria um juiz que estaria lá para beneficiar o réu, quando seria para beneficiar o processo. Quantas vezes ao conceder um habeas corpus um juiz é escrachado na imprensa como ‘amigo de bandido’?”, questionou.

Presente ao debate, o diretor de Relações Internacionais do IASP, Cassio Namur, levantou, quase ao fim do evento, uma questão bastante relevante. Ele questionou o ministro sobre a pertinência da adoção das súmulas vinculantes tendo em vista a realidade brasileira.

O ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que, dada situação dos tribunais e do Judiciário como um todo, a jurisprudência defensiva, muitas vezes, é a única solução para o tribunal funcionar. “É preciso achar uma solução para a questão da súmula vinculante e dos precedentes. Se não tiver uma linha, um mínimo de razoabilidade, é ruim para o jurisdicionado. Temos que privilegiar a segurança jurídica”.

De acordo com o ministro, a solução virá do diálogo entre advocacia e magistratura. “Corre-se o risco de engessar, mas é preferível ao caos que estamos vivendo. É preciso magistratura e advocacia chegarem a um denominador comum, buscando diminuir esse acervo processual, que não é bom para ninguém, sem que se corra o risco de impedir que questões sérias e fundamentais sejam apreciadas pelos tribunais”, concluiu.

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