O IASP e os 100 anos da Oração aos Moços
O presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Renato de Mello Jorge Silveira, assina artigo no site Consultor Jurídico contando a história da oração e sua relação do instituto
A Oração aos Moços foi lida, pela primeira vez, em março de 1921. Talvez seja ela um dos textos jurídicos mais mencionados no Brasil. Ainda hoje, boa parte dos formandos em Direito é apresentada às suas linhas, evidenciando os passos a serem dados, em especial, na Advocacia e na Magistratura. Sua alusão é algo absolutamente recorrente, mesmo obrigatório, segundo Miguel Reale Júnior. Poucos, no entanto, rememoram, em minúcias, dos detalhes de como veio ela à lume.
Seu autor, Rui Barbosa, foi um dos maiores expoentes do Brasil em fins do século 19 e início do século 20, tido, por muitos, como o maior dos brasileiros da história. Advogado, jurista, político, diplomata e orador exímio, tornou-se sinônimo de excelência. Suas defesas, escritos e pensamentos marcaram gerações, sendo eternizados na famosa coleção Obras Completas, em mais de 130 volumes. Recebeu, em vida, todas as homenagens possíveis. No campo da Advocacia, reconhecido e ovacionado, foi, também, presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), nos anos 1910, e primeiro associado honorário do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), em 1918.
Essa última passagem, aliás, é uma cena a se recordar, pois tem contato com a própria Oração aos Moços. Completava-se, então, naquele ano, o jubileu cívico de Rui. De se ver que, em julho de 1868, dom Pedro 2º dissolvera a Assembleia dos Deputados, dando o poder aos conservadores, o que gerou enormes controvérsias, em especial na Academia de São Paulo. Nela, o professor José Bonifácio, o moço, rebateu aquela medida, tendo o apoio enfático, em discurso memorável, de um jovem terceiro-anista, o jovem Rui Barbosa. Nascia, então, Rui, o orador.
Cinquenta anos depois, em 1918, quando da aludida solenidade no Iasp, então denominado Instituto da Ordem dos Advogados de São Paulo (Ioasp), falou como orador, em nome da Faculdade de Direito, o acadêmico José Soares de Mello, então, por sua vez, também terceiro-anista da Velha Academia. Além das honras postas a Rui, foi determinada missão do Instituto a comparecer ao Rio de Janeiro, em sua residência, para externalizar a “gratidão e regozijo da terra paulista por ter-se transplantado para ela quando seu gênio ia florescer”. Àquela se fez juntar Soares de Mello, tendo sido todos recebidos em sua residência (hoje sede da Fundação Casa de Rui Barbosa). E foi naquele primeiro contato que nasceu a audaciosa ideia do convite a Rui para ser o paraninfo da Turma de 1920, quando seria completado, também, o cinquentenário de sua própria formatura nas Arcadas. Tudo, enfim, fruto daqueles momentos no Instituto.
Tais passos foram, ainda, aprimorados quando, na segunda quinzena de setembro de 1918, uma caravana de acadêmicos de São Paulo, pensada e composta por Soares de Mello, a que se fizeram juntar outros dez, fez o mesmo percurso. De fraque, cartola, bengala, luvas e botinas de abotoar de camurça e verniz, os jovens, vistos na Faculdade como “os cariocas”, foram, então, à mesma mansão da rua São Clemente. Rui já se encontrava doente, sendo a mocidade recebida por sua esposa. Seguiram-se, ainda, outros encontros de Soares de Mello com Rui, até que, em 1920, foi ele designado para apresentar o formal convite.
O resultado veio, por derradeiro, somente em 1921. Soares de Mello, juntamente com outro seu colega, Manoel Otaviano Diniz Junqueira Filho, foi chamado, em 19 de março, à sua presença, em Petrópolis. Proibido que fora pelos médicos de viajar a São Paulo, ali estava a entregar o trabalho escrito, intitulado Oração aos Moços, que fizera em homenagem à colação de grau, tendo-a escrito devido, como deixou claro, à insistência de Soares de Mello. Em 29 de março de 1921, perante a juventude na antiga sala dos retratos do antigo Convento de São Francisco, iniciou-se a cerimônia de colação de grau, onde, todos devidamente enfarpelados, ouviram a Oração lida pelo Professor Reinaldo Porchat. O resto é história.
Soares de Mello ainda encontraria com Rui Barbosa duas semanas depois de sua formatura. De partida para a Europa, passou pelo Rio de Janeiro. Sabendo-o ainda em Petrópolis, para lá se dirigiu. O encorajamento, instigação e sabedoria de Rui foram decisivos àquele que, anos depois, se tornaria Catedrático de Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e, também, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, o mesmo Tribunal que, hoje, neste festejado momento de centenário, por trama do destino, vem justamente a ter, como vice-presidente, seu sobrinho, o culto desembargador Luís Soares de Mello.
O estilo de Rui talvez venha a desagradar alguns que o entendam deslocado, como os olhos de hoje veriam deslocados os fraques e cartolas, postos em 1918. Seus detratores, de fato, foram muitos, sendo de se relembrar, por último, o profundo desagravo feito pela Congregação da hoje Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em homenagem a um dos seus mais ilustres filhos, discorrendo sobre sua importância sobre suas intervenções. Publicado em 1967, na Revista da Faculdade de Direito, em volume próprio, teve, por primeiro artigo, justamente um estudo do sempre presente Soares de Mello, que ali fez defesa derradeira de Rui.
Passados tantos anos, continuam elas, contudo, atuais, sendo referência a quem quer que seja. Embora talvez tenha o mundo mudado, e mesmo a se perceber que o ruismo quiçá não seja mais palavra de ordem, mostra-se fundamental que, ao menos, se cultive a importância de seus escritos. E, nesse sentido, é de se reviver, pois, aquele momento e a importância trazida no peito pelo Iasp, como sempre o fez ao longo de sua história de 146 anos, por ter participado, entre outros tantos, também dos momentos formacionais e nascentes daquilo que veio a consubstanciar-se na mais importante das orações jurídicas nacionais.
Longa vida à Oração aos Moços!
Renato de Mello Jorge Silveira, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo
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