IASP discute limites e vantagens das criptomoedas, seus desafios e formas de prevenção contra crimes

05 de março de 2020
Por José Antonio Leite, da Avocar Comunicação

Seminário com especialistas abordou a regulação existente e formas de compliance para mercado

Em 18 de fevereiro, aconteceu o seminário “Criptomoeda: Regulação e Compliance”, com a participação do presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Renato de Mello Jorge Silveira, do economista do Banco Central (Bacen) Fábio Lacerda Carneiro e dos advogados e professores Haroldo Verçosa e Emília Malgueiro. Os temas das mesas foram os desafios na regulação, compliance e lavagem de dinheiro.

Ao falar sobre o histórico das criptomoedas, Renato Silveira lembrou que “os penalistas têm que perceber que estamos numa nova realidade, com novos instrumentos que precisam ser minimamente aperfeiçoados”.

Já Fábio Carneiro iniciou sua palestra buscando equidistância entre os chamados “cripto-entusiastas”, otimistas exagerados para quem as criptomoedas são a melhor ideia da história, e os “criptohostis”, que as classificam como “negócio de criminosos”.

Commodities digitais

Dono de larga experiência nas áreas de Regulação, Supervisão e Resolução Bancária do Bacen, Fábio Carneiro caracterizou as cripto como moedas eletrônicas, porém com características que as qualificam como valores ou representações digitais ou mercadorias, commodities digitais.

No tocante às definições regulatórias, Carneiro apontou o exemplo da Autoridade Bancária Europeia (EBA) e do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), que as definem como representação digital de valor, não emitida pelo Banco Central, sem a fidúcia de um Estado nacional, mas aceitas pelo público. “Esse é o caminho que a Receita Federal toma na Instrução Normativa RFB Nº 1.888. Ela define criptoativo e vai no mesmo caminho internacional de a caracterizar como representação digital de valor”, afirmou.

Embora tenha apontado os benefícios das criptomoedas (proteção contra confiscos de Estados autoritários, rastreabilidade, eficiência nas remessas internacionais não ligadas à jurisdição específica e alternativa para populações desbancarizadas), Carneiro também destacou pontos negativos como volatilidade, ameaças à estabilidade financeira, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.

O economista identificou ainda uma “assimetria de informação” sobre os crimes envolvendo criptomoedas: “As vítimas são pessoas mal esclarecidas. Temos que separar as coisas: o instrumento e sua má utilização’”.

Inseguranças contratuais

Em sua intervenção, o professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP) Haroldo Verçosa mostrou-se mais temeroso em relação às criptomoedas.

Segundo o especialista, essa espécie de moeda digital parece estar se desvinculando dos princípios monetários fundamentais históricos. “De um lado há o Estado, que pode perder o controle sobre os meios de pagamento, e até mesmo a diminuição da sua capacidade de exercer política monetária”. Do outro, o setor privado que, na avaliação de Viçosa, vislumbra um cenário de incerteza e riscos como desvalorizações, falta de controle sobre emissão e inseguranças contratuais.

Os riscos, segundo ele, também atingiriam o investidor comum. “Tenho visto pessoas simples caindo no engodo dessas moedas”, afirmou Verçosa, para quem a educação financeira ainda é pouco acessível à maioria da população: “Quantos milhões de brasileiros não sabem ler nem escrever?”

Menos Estado, mais cidadãos

“O Estado tem de ter um tamanho menor para que o cidadão tenha tamanho um pouco maior”. Essa parece ser a intenção ou o lado positivo do mercado de criptomoedas para a advogada Emília Malgueiro, autora do livro “Critptomoedas e Blockchain – O Direito no Mundo Digital”.

Fazendo um pequeno apanhado histórico, a especialista diz que essa percepção surge por práticas intervencionistas do Estado no bolso do cidadão, como foi o caso do Plano Collor e o confisco das poupanças, além da questão de invasão da privacidade do cidadão, comum pelo monitoramento dos governos sobre suas transações financeiras.

Do outro lado, o mercado de bitcoins também tem seu estigma ligado a casos como o do site Silk Road, na década de 2000, que alimentou um mercado da Darknet, garantindo negócios ilícitos, principalmente drogas, entre compradores e vendedores anônimos.

No entanto, a advogada destaca que os paradigmas sobre as criptomoedas estão mudando e que mais pessoas as utilizarão em transações financeiras.

Emília abordou os vários tipos de regulamentação. “A primeira coisa que a gente fala é que temos que dividir quem são os players do mercado de cripto. Não existe apenas exchange, que é intermediadora entre duas pessoas. Há ainda o mercado de balcão, que tem estoque próprio de cripto para vender. Não está intermediando. É de compra e venda”.

Por fim, a advogada defendeu a existência de um mercado de negociação de ativos digitais seguro e justo: “Ainda gosto de privacidade. Fazer transações criptográficas também é um direito. Nem todos são criminosos. Gostaria de ter um devido processo legal funcionando nessa área também”.

Novos instrumentos a serem aperfeiçoados

Encerrando o evento, o presidente do IASP e professor titular de Direito Penal da FD-USP, Renato Silveira, analisou os problemas quanto à forma como o Direito Penal lidará com as criptomoedas no Brasil e citou duas razões principais para tal: sua criminalização e a constatação de que, nos últimos tempos, esta área do Direito se mantém lastreada na questão da lavagem de dinheiro.

“Existe uma percepção equivocada – mais em relação ao anonimato – que se confunde com a própria noção de uma criptomoeda. Identifico como situação vindoura a figura do criptomoedeiro, que poderia ser a evolução do doleiro”, afirmou.

No tocante às questões criminais, Renato Silveira identificou três gerações problemáticas de abordagem penal em relação às criptomoedas. A primeira, entre 2009 e 2010, quando a Polícia Federal (PF) ainda tinha dúvidas sobre a noção de dinheiro virtual e o misturava ao conceito de moeda falsa. A segunda geração estaria mais ligada à ideia de estelionato. Mas o problema real, segundo ele, relaciona-se à terceira geração de crimes, qualificada de “Trilema Penal Econômico” – formada pelas noções de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

Renato Silveira afirmou que, das diversas propostas legislativas, uma ideia mais ou menos perene relaciona-se à da lavagem de dinheiro. Esta ficaria reforçada na Instrução Normativa 1.888. “O artigo 11 diz que, sem prejuízo da aplicação da multa, poderá ser formalizada na comunicação ao Ministério Público Federal quando houver indício da ocorrência dos crimes previstos no artigo 1º da lei 9.603. Isso me parece um reforço penal a se dizer: cuidado aos aventureiros de plantão porque o governo ou o Estado vão ter a arma da lavagem à mão para controlar a todos”, afirmou.

O professor se disse preocupado em relação a como o Brasil vai tratar a questão. “Acho perigoso falar de uma situação autônoma de criminalização de lavagem pela mera utilização de expor ou trocar criptomoedas. Os penalistas têm que perceber que estamos numa nova realidade, com novos instrumentos que precisam ser minimamente aperfeiçoados”, concluiu o presidente do IASP.